Obstáculos


Maria Avelina Fuhro Gastal


Em 21 de janeiro publiquei o último texto na minha página. Foi, também, o último que escrevi.

Ideias surgiram, crônicas tiveram início, algumas meio e fim, tudo na minha cabeça, nada na tela ou no papel.

A distância entre o sofá e o computador tornou-se imensurável. A dificuldade não era em trilhar os poucos metros entre os dois com muleta. O maior percurso a percorrer estava em mim.

Por algum enigma do universo, muito além do sentido da vida, a fratura no pé e minha consequente imobilização por 6 semanas, paralisou minhas vontades, aniquilou com a concentração.

Poderia culpar à dor. Seria mentira. Depois de imobilizado, o pé dói muito pouco e só de vez em quando.

O excesso de tempo livre, tornou-se prisão. Liberou memórias do longo período de afastamento social na pandemia. De forma racional, luto contra esses sentimentos. No cotidiano, dois dos pilares que me sustentam, autonomia e atividades físicas, foram ceifados. É por um tempo, eu sei, mas durante este tempo a impossibilidade é real.

Não foi uma queda, nem um passo de dança, nem fratura por stress físico, nem um acidente de carro, nem queda de bicicleta, nem um sapato de salto alto e bico fino. Foi um mísero mini degrau, com menos de 10 cm de altura. Esqueci da existência dele, saí com pressa, pisei mal e o degrau fez uma alavanca partindo o osso. Uma coisinha de nada em uma fração de segundo, alterou planos, limitou movimentos, me imobilizou além do pé.

Costumamos pensar em grandes acontecimentos que alteram nossas vidas, esquecemos que a mudança se encerra em um curtíssimo espaço de tempo, suas consequências é que bagunçam com tudo que até então dominamos. Um sim ou um não, um passo em falso, um resultado de exame, um sorriso ou olhar, um silêncio no momento que se espera uma palavra, uma palavra não pensada quando o silêncio seria o bastante, uma sinalização de trânsito não obedecida, uma decisão dominada por raiva, culpa ou desejo, qualquer coisa que não nos ocupe mais do que alguns segundos, repercute por minutos, horas, dias, meses, anos. Por uma vida toda.

Não foi com tranquilidade que, hoje, cheguei ao computador e digitei esse texto. Talvez eu precisasse falar do que me angustia para poder me liberar para falar de tudo o mais. Calamos em demasia, e paralisamos. Congelamos sentimentos e entregamos ao tempo a nossa responsabilidade em superar obstáculos.

Ainda me faltam 4 semanas, repletas de segundos em que posso decidir pelo possível, enquanto aguardo pelo que, agora, é inatingível

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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