Coisas que perdemos pelo caminho


Maria Avelina Fuhro Gastal

Título bonito: “Coisas que perdemos pelo caminho”. Não é meu. É de um filme de 2007, triste, muito bonito. Está disponível no Prime vídeo.

Assumido o plágio, vou manter o título que cabe perfeito para uma crônica.

Fosse eu poeta, derramaria versos que exigiriam mergulho para alcançar o sentido das palavras. Traria nelas as cicatrizes de amores não realizados, o vazio da ausência de quem um dia amamos, a essência da natureza humana em conflito com sentimentos contraditórios. Evitaria a rima pobre. Buscaria as interpoladas ou as encadeadas. Rescreveria tantas vezes quanto achasse necessário para limpar qualquer migalha destoante.

Estivesse eu inspirada, usaria a prosa para falar da perda da inocência, descortinada ou apunhalada, dos sonhos que sufocamos na realidade, das vozes transformadas em silêncios, da esperança dizimada pela violência.

No entanto, é verão, o ano mal iniciou, não cabe melancolia ou reflexão para este período de metas e novo fôlego. Talvez, depois do Carnaval, voltemos a viver o que somos domesticados pelo relógio, pelas tarefas, pelos prazos e compromissos. Até lá vamos permitir que o sol, os dias mais plenos de luz nos inundem de energia vital.

Sendo prática e racional, posso listar muitas coisas que perdi pelo caminho, sem provocar tristeza ou saudades.

Nunca perdi chaves, embora tenha diversas que eu não faço a menor ideia do que abrem. Posso dizer que perdi as fechaduras ou as portas pelo caminho.

Entre o supermercado e a minha casa já perdi um pote de requeijão cremoso. Eu não estava a pé, portanto, se caiu da sacola, deveria estar no porta-malas. Não estava. Vendi o carro há muitos anos. Talvez o novo proprietário tenha achado em algum fundo falso, só não sei em que condições.

Perdi quatro dentes sisos, outros tantos para colocar aparelho, amigdalas, vesícula e, nos últimos anos, colágeno.

Minha paciência com discurso de ódio de qualquer natureza, com o crescimento da extrema-direita, com teorias da conspiração está perdida para sempre. Falta pouco para partir para a agressão física, pois a verbal já ocorre, o que me faz pensar que perdi o freio.

Há coisas que eu quero perder. Timidez, medo da violência, autocontrole excessivo. Pode parecer uma contradição já que afirmo ter perdido o freio, mas é só nas situações descritas acima. Em tudo mais penso e repenso tanto, avalio e pondero por tanto tempo, que ao decidir já perdi a oportunidade.

Somos contradições, melancolias, saudades, mas também podemos ser leves e um pouco inconsequentes. Isso não nos fará perder o rumo e, ainda, pode trazer novas experiências e possibilidades.

Vivamos de forma a deixar pelo caminho a bagagem que nos pesa.


Deixe um recado para a autora

voltar

Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

Clique aqui para seguir esta escritora


Pageviews desde agosto de 2020: 254467

Site desenvolvido pela Editora Metamorfose