Essência


Maria Avelina Fuhro Gastal

“...pessoas precisam tanto poder contar a história delas a si próprias”
Clarice Lispector

Se quer coerência, jamais peça que eu fale de mim. Se insistir, lhe apresentarei versões. Todas verdadeiras no seu tempo, todas ficções logo após serem ditas. Não posso garantir que o que sou hoje, fui ontem ou serei amanhã. Cada vez que me penso, me fragmento. Na desconstrução encontro vestígios do que não sabia. Reconstruo-me em um novo eu, tão perene quantos meus outros que sucumbiram ao longo da minha história. Isso não lhe basta? Nem a mim. Por isso não paro. Busco completude. Nessa procura me dissolvo em partes. Suas certezas me assustam. Sinto que você se esconde nelas. Eu me desnudo nas incertezas. Perco os escudos, fico entregue ao vazio de não me reconhecer naquilo que falei. Sou única e sou várias. Carrego ancestrais. Tenho história de todas as mulheres. Tenho a culpa da minha pele branca e do meu status social. Trago decepções de meus pais pela filha que não fui. Trago orgulho pela filha que fui. Carrego medos e fracassos presos em correntes ao tornozelo. Sufoco desejos. Calo amores. Grito angústias. Omito desesperos. Como queres que eu lhe diga quem sou se nem sempre me reconheço? Posso ser tudo ou ser nada. Posso ser plena. Oca. Posso olhar e não me ver. Será meu espelho? Devolva a imagem que captura de mim. Faça com que eu veja aquilo que não enxergo. Nessa que não conheço pode estar aquilo que você espera. Mergulharei nela para dominá-la. Será minha única versão. E deixarei de existir. Serei um produto acabado, criado para satisfazer. E aí, desistirá de mim. Terei perdido o que sou, o que não sei que sou e o que poderia ser. Não construirei nem destruirei história. Não terei nada para contar, para omitir, para temer. Pronta, estarei acabada. Serei história única, clichê de mim mesma. Não terei essência. Escolho ser várias para não ser nada. Múltipla. Me reencontro a cada dia em uma diferente. Sou alegria; sou ódio; sou amor. Sou tristeza. Sou eu e não sou. Sou o que penso de mim e o que desconheço em mim. Amanhã largarei o que não me pertence para abrir espaço ao que descobrirei. Resgatarei o que pensei não me servir para encaixar naquilo que me falta. Estarei a cada dia juntando pedaços, eliminando restos. Então, não me pergunte quem sou. Se quer verdades, eu também não as tenho. Ofereço verossimilhanças. Aceite a parte que lhe entrego e aceitarei a parte que você omite.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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