Que bom que vocês estão aqui


Maria Avelina Fuhro Gastal

Sabe, Shahed, temi por vocês.

Ver o avião pousando em solo brasileiro, mesmo sem o desembarque que só aconteceria em Brasília, me fez chorar. Chorei todas as vezes que revi a cena, quando vocês desembarcaram e ao ver as crianças brincando na Base da Força Aérea.

Duas meninas, cada uma no seu tempo, com os recursos que dispunham, colocaram em diários, a realidade da guerra. Versões oficiais não têm a dimensão humana, não falam do medo, da angústia, da dor de perder o lar, familiares, amigos, tudo que conhecem como vida.

Só soubemos do diário de Anne Frank após a sua morte. O teu relato tinha voz e rosto. O rosto de uma jovem que deveria ter o direito de estar se apaixonando, fazendo escolhas, experimentando aquele intervalo entre planos e vida adulta.

Não consigo imaginar todo o horror que vocês viveram nem os sentimentos contraditórios entre estar em segurança e ter partido, deixando em um campo aberto de extermínio, tantos afetos e histórias de vida.

Se avançamos do caderno e lápis à tecnologia que permitiu sabermos de ti em tempo real, mantivemos a fúria e a desumanidade de matar por questões religiosas, territoriais, étnicas, econômicas. Aperfeiçoamos métodos que possibilitam matar um número maior em um tempo menor, não importando se são crianças, civis, velhos, enfermos. Ninguém é humano em uma guerra. E, muitos, nem mesmo fora dela.

Temos problemas. Vivemos, recentemente, um período em que o direito à vida foi tratado com escárnio, as diferenças com desrespeito e desprezo. Não somos o país da harmonia. Nunca fomos, mas agora não há mais como fingir ser. Não digo isso para te desanimar, só um alerta para que entendas que não há paraíso, embora tenhas vivido o que podemos chamar de inferno e sobreviveste.

Li que queres pilotar aviões ou ser jornalista. Que bom que ainda cabem em ti planos e sonhos. São eles que nos fazem vitoriosos frente à barbárie. Entre todas as perdas e temores há espaço para a esperança. Ainda não inventaram armas, bombas ou governos que destruam nossa vontade de viver. Podemos desanimar, desacreditar, mas, se houver uma chance, haverá uma pulsão de vida que nos permitirá renascer sem ter morrido.

Seja bem-vindos. Que bom que estão aqui. Que vocês possam vir a escolher entre viver no Brasil ou voltar para a Palestina com a segurança de que, seja onde for, estarão em casa.

Deixe um recado para a autora

voltar

Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

Clique aqui para seguir esta escritora


Pageviews desde agosto de 2020: 254728

Site desenvolvido pela Editora Metamorfose