Sinais inequívocos


Maria Avelina Fuhro Gastal

Três dias antes de chover, a cicatriz de uma cesárea feita para o nascimento do meu primeiro filho começa a coçar.

Às vezes, pensar em tomar um cafezinho me repugna.

Por mais que eu goste de salada de tomate e cebola crua, melhor evitar.

Já ignorei a coceira, a repulsa e já cedi à salada. Saí sem sombrinha no terceiro dia, tomei banho de chuva. Insisti no cafezinho, nem ele nem nada mais, por algumas horas ou dias, parou no meu estômago. Em meio a uma dor de cabeça infernal, só conseguia pensar que não deveria ter comido a cebola crua.

Nosso corpo dá sinais. Aprendemos a reconhecê-los. Se somos sensatos, evitamos transtornos; quando negamos, arcamos com as consequências.

Percebemos olhares e vozes tristes, mesmo quando nos dizem que está tudo bem.

Quando estou de baixo astral, me afasto das pessoas, fico quietinha remoendo a tristeza. Se eu deixar de arrumar a cama, perder a vontade de viajar ou não aceitar um convite para o show do Caetano Veloso, é depressão. Nunca cheguei a esse ponto, mas cada um sabe que sinais indicariam problemas mais sérios.

Algum tempo antes da minha separação, jantar fora, viajar no fim de semana, ir ao cinema ou alugar um filme para ver em casa (no vídeo cassete, ainda) não me pareciam opções possíveis. Nos relacionamentos também temos sinais de mau tempo muito antes da tempestade.

Não raro negamos os sinais, seja por desejo de que não seja verdade ou por total incapacidade para lidar com o real.

A realidade pode assustar, exigir de nós respostas que não nos julgamos capazes de oferecer, seja por imaturidade, por desconhecimento, por pânico ou por inconsequência. Podemos negá-la, ironizá-la, mas, ainda assim, ela está lá, apenas não a enfrentamos. Por medo de sofrer ou por uma atitude infantil de nos agarrarmos no que queremos acreditar e não no que se apresenta, continuamos a viver ignorando os sinais de perigo. Nossa atitude não faz com que eles sumam, não elimina os problemas. Eles se avolumam até sermos engolidos por eles.

Há um ano os sinais da gravidade da pandemia estão presentes. A princípio muito longe daqui. Aproximou-se quando atingiu a Europa. Ficamos chocados com as mortes na Itália, mas um oceano nos separava delas. O vírus ignorou distâncias e se alojou entre nós. Acompanhamos os primeiros casos no Brasil. Ninguém próximo a nós infectado, até que um dia isso mudou, até que um dia uma morte tinha nome e histórias conhecidas por nós. Compramos álcool em gel, máscaras, afastamo-nos da vida que conhecíamos, alimentamos saudades de familiares e amigos. Acostumamo-nos a ver nossas cidades classificadas por cores conforme o risco de transmissão da COVID-19. Respiramos aliviados quando atingimos a bandeira laranja, criamos esperança. Muitos relaxaram. O governo apostou no fim da pandemia, no kit com cloroquina, desconsiderou a importância de negociar vacinas e de apoiar a Ciência. Voltamos à bandeira vermelha e não saímos mais dela. Alguns tentam esquecê-la nos shoppings, restaurantes, pizzarias, praias e festas clandestinas. Manaus morre sufocada. Estamos banidos de vários destinos no mundo ou obrigados à quarentena, por nossa conta, em outros. Ontem, dia 11 de fevereiro, tivemos 1452 mortes por COVID no Brasil. Ninguém se escandaliza. Se o vírus já circula entre nós livremente, aumentamos os riscos de contaminação espalhando novas cepas pelo país. Os sinais são abundantes, mas somos uma sociedade que acredita no jeitinho brasileiro, na força da nossa gente. “Não adianta ficar chorando em casa”. Pelo menos, nessa única vez, o presidente reconhece que há razões para chorar, o primeiro leve sinal oficial sobre a gravidade da situação.

Se nenhum dos sinais acima despertou para a necessidade de isolamento social, há um inequívoco: BRASIL SUSPENDE O CARNAVAL. Basta para você? Se ainda assim, não, eu desisto.

Não ter carnaval seria como se eu recebesse um convite para um cafezinho, antes de um show do Caetano Veloso, seguido por uma viagem a dois para a Serra, com jantar à luz de velas, sem salada de cebola crua, nenhuma previsão de chuva e eu recusasse. Detalhe: o convite teria sido feito pelo Richard Gere. Grave, não?




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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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