Vade retro


Maria Avelina Fuhro Gastal

De teimosa, abri a caixa de correspondência, sempre vazia, apesar de esperar livros infantis da assinatura que fiz para a minha neta e o cartão do banco, bloqueado há um mês e meio por clonagem (descobri com um gasto de R$4.300,00 em vinho). Juro que escrevi sóbria.

Premonição? Mau agouro? Um único papelzinho e a pergunta em letras garrafais “ONDE PASSARÁS A ETERNIDADE?” A eternidade, não sei, este ano estou passando em casa.

No verso a continuação: “Qual a sua situação? Esperamos que você decida crer em Deus ao invés de rejeitá-lo.” A seguir, telefone, site, email e Instagram para contato.

Até a fé aderiu às telas. Sempre pensei que deus fosse onipresente, nunca que fosse se fazer refém do isolamento social.

Na página, (claro que fui conferir) artigos, vídeos motivacionais, podcasts, e, óbvio, lojinha com calendários, livros, imagens, agendas, camisetas. No Instagram, mais de 500 publicações, muitas direcionadas à venda dos produtos.

Se penso em destinos, imagino Paris, Amsterdã, Londres, Marrocos, Grécia, Turquia, Cuba, Caribe, Peru, Califórnia, Nova York, Pelotas e outros tantos. Na atual conjuntura, qualquer lugar a mais de um quilômetro da minha casa. Eternidade, nunca.

E não vai ser na ameaça que vou mudar de ideia. Pra começar, não acreditar não é rejeitar. Não acredito em Papai Noel e acho ele um fofo. Acredito que elegeram um desastre para governar o nosso país e o rejeito, esse sim até a eternidade e além.

Reino dos céus, graça divina, vida eterna conquistados por atitudes que não enxergam o outro. Operam por caridade, benevolência, colocando-se como bondosos quando só buscam benefício próprio. Façamos o bem para garantir vaga, demos o mínimo para nos salvar. O outro que aguarde a próxima doação. Ação egoísta que não busca justiça social, usando o nome de deus como carteiraço.

Os intermediários da fé não me inspiram confiança. Acredito em pessoas, ideais, movimentos organizados e, no cotidiano, não tem sido esse o lado dos operadores da fé.

Se existe algo além de nossas vidas, que o acesso se dê por merecimento medido pelas atitudes humanas. De que adianta idolatrar uma divindade e desrespeitar, perseguir, ignorar, massacrar as pessoas por sua classe social, cor da pele, identidade de gênero?

A história tem nos mostrado que as melhores companhias não estão na eternidade prometida em troca de ouro, perseguições, extermínio, fogueiras, traições e dízimos.


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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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