Meiatonina


Maria Avelina Fuhro Gastal

No mínimo sete horas de sono para garantir uma maior qualidade de vida. A privação pode causar aumento de peso, fadiga, risco de acidentes, saúde mental afetada, limitação cognitiva.

Sempre achei que dormir era perda de tempo. Vivi anos dormindo entre 4-5 horas por noite, quando não menos.

Considerando que não estou em idade de correr riscos além dos já inerentes a essa fase da vida, decidi organizar meu sono.

Num primeiro momento, o efeito foi contrário. Quanto mais eu lia sobre a importância do sono, menos dormia. Uma crise de ansiedade tomava conta de mim, revirava na cama, não achava posição confortável, não desligava a mente que insistia em calcular o número de horas que eu dormiria e nunca eram as suficientes. Já estava resignada a ter obesidade mórbida, estar sempre cansada, tropeçando pela casa e pela rua, falando sozinha e sem conseguir entender nem receita de bolo.

Comecei a ouvir podcast sobre o sono. Ouvir podcast, para mim, já é um tormento, sobre sono era uma tortura, mas acreditava que as palavras entrariam pelos fones do meu celular direto no meu cérebro, produzindo uma espécie de lavagem cerebral.

Foram meses de insônia, noites insones, tudo porque eu precisava dormir melhor e essa preocupação me mantinha acordada. Experimentei a perfeita tradução de um paradoxo.

Sou obstinada. Quando decido algo, não paro, para desespero dos meus filhos quando eu decidia começar a manhã de sábado com uma faxina, ou da minha nora, quando pediu minha ajuda para enfiar em um cordão as continhas que enfeitariam as lembrancinhas do casamento. Por pouco ela não cancelou a cerimônia.

Decidi implementar a higiene do sono. Já com a saúde mental abalada, estabeleci planilhas e tabelas para me orientar na rotina a ser criada. Minha limitação cognitiva ainda permitia que eu calculasse, de trás para diante, o horário que eu deveria estar dormindo para garantir 7 horas de sono. Se acordo duas vezes por semana as 6 horas para fazer pilates as 7 horas e outra para jogar beach tênis no mesmo horário, deveria dormir as 23 horas.

Para que dê certo, deve haver regularidade na hora de dormir e acordar. Então meu parâmetro estava estabelecido. De domingo a domingo, deitar as 23 horas e acordar as 6 horas. Tudo isso em pleno mês de maio, começo do frio, dia amanhecendo só depois das 7 e tanto. Troquei a noite das madrugadas pelas noites das manhãs. Sem atividades tão cedo por 4 dias da semana, acabei viciada em Candy Crush.

Programei o “não pertubar” do meu celular para o mesmo horário. Excetuei só filhos, nora e genro. Passei a desligar a TV, a tomar banho e colocar o pijama as 22 horas. Logo após, leitura até o horário de apagar a luz, um quarto escuro, sem distrações eletrônicas, nem sons. Ainda não consegui convencer a Prefeitura a trocar o horário de recolhimento do lixo daqueles monstrengos de containers, nem aos sabiás de namorarem com menos estardalhaço, e não nunca vi o guarda noturno que apita de quando em quando. Suspeito que ele seja alguma alma perdida que se mantém ligada à vida passada.

Era minha última esperança fazer essa porra de tal higiene funcionar. Medicação, nem pensar. Não só pelos efeitos colaterais, mas, principalmente, pela minha necessidade de controlar todos os aspectos da minha vida, e ninguém tem nada a ver com isso. Alterações de humor podem ser ocasionadas por falta de sono. Desculpa.

Percebi algum resultado. Por outro lado, passei a ficar nervosa com convites para programas noturnos. Esse conflito, por vezes, atrapalhou minha vida social, por outras, esculhambou meu sono. Mas persisti.

Consegui algumas avaliações de razoável e bom no aplicativo para controle de sono, e vários “precisa de atenção”. Cala a boca, não preciso de um grilo falante me atazanando, só atrapalha.

Eis que em uma noite fria de inverno, das poucas que aconteceram esse ano, não conseguia me esquentar. Precisei colocar meias para não gangrenar meus pés. Dormi como um bebê e até ganhei um excelente do grilo idiota. Nessa noite descobri meu remédio para dormir melhor: meiatonina.

Só me angustia saber que estamos a poucos dias de um calor escaldante. Mesmo com ar condicionado, o calorão se instala em nós. Poderei, eu, manter a meiatonina? Se não, terei problemas com o sono? Logo agora que as coisas pareciam estar se acomodando, o verão, a praia, os amigos, a vida me jogarão, de novo, em um comportamento suicida? Se sim, pelo menos serei uma obesa mórbida, sempre cansada, tropeçando pela casa e pela rua, falando sozinha, sem conseguir entender nem receita de bolo, mas bronzeada e de bom humor.

Deixe um recado para a autora

voltar

Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

Clique aqui para seguir esta escritora


Pageviews desde agosto de 2020: 254049

Site desenvolvido pela Editora Metamorfose